Por Zizo Asnis | Siga seu Instagram | Acompanhe seu Facebook
1. Introdução à África
O bom viajante não quer ficar apenas no Brasil ou fazer o mochilão básico (e necessário) pela Europa. Quer Américas, Ásia, Oceania… e finalmente, o grande desafio: a África. O continente africano, de modo geral, com serviços e infraestrutura frequentemente precários e população vivendo abaixo da linha de pobreza, não é para viajantes amadores.
Mas há uma exceção: a África do Sul. É uma boa introdução adentrar o continente habitável menos turístico do planeta através de seu país mais bem organizado, onde não faltam bons hotéis, albergues, restaurantes, estradas bem pavimentadas e passeios turísticos que atendem a todo bolso de turista.
Tudo isso sem abrir mão de conhecer o instigante tripé que constitui uma visita à África: a riqueza da cultura negra, o fascínio da fauna local e a beleza de paisagens rústicas e exuberantes.
2. Apartheid, Mandela, Soweto
Negros não podiam frequentar praias, ir ao cinema, pegar qualquer ônibus. Não ao menos praias, cinemas e ônibus que fossem ocupados por brancos. E isso não faz muito tempo: foi até 1994 (começou em 1948) o abominável regime de segregação racial que tornava cidadãos negros não-cidadãos, que sequer podiam votar.
A voz da liderança que provocou a mudança foi a de Nelson Mandela, e entender o que foi esse tempo bárbaro que ainda é memória recente e quem foi Mandela são programas obrigatórios na África do Sul. Por isso, é imperdoável pular Johannesburg – e muitos viajantes, embora cheguem pelo aeroporto da cidade, simplesmente mal ficam aqui, indo logo para destinos mais turísticos.
Em Joanesburgo (versão em português do nome) se encontra o Museu do Apartheid, que é provocativo logo na entrada: uma porta para brancos, outra para negros.
Nos arredores da cidade fica Soweto, praticamente outra cidade, instituída em 1963 para ser habitada exclusivamente pelos negros, que não podiam viver em Johannesburg. A casa onde morou Mandela fica aqui e pode ser visitada. (Outra referência a Mandela está na ilha Robben, onde o estadista esteve preso, próxima a Cape Town).
Muitos explicam Soweto como uma grande favela. Será mesmo? Visite (é seguro e imperdível) e tire suas conclusões.
3. Safari – o jogo dos animais
Leão, elefante, leopardo, búfalo e rinoceronte. O que esses cinco animais têm em comum? São os chamados Big Five, os cinco animais selvagens de grande porte mais difíceis de serem caçados. Por aqui, hoje, não se caça nada, mas se procura, avista, contempla, fotografa.
A jogo, conhecido como game drive, consiste em sair de carro por parques e áreas nativas à procura desses animais, em seu habitat natural. Mas existem vários outros bichos bem interessantes: girafas, zebras, macacos, crocodilos, gnus, veados, hienas…
São muitas áreas onde se pode fazer um safari na África do Sul – evite, porém, aquelas onde os bichos estão sedados ou domesticados ou foram enviados para o local para fins turísticos.
O principal parque sul-africano para curtir o game drive é o Kruger Park (a 500 km de Johannesburg), que conta com boas estradas de acesso, aeroporto nas redondezas, diferentes portões de entrada e vários bons hotéis próximos. Não à toa, se tornou um dos principais parques nacionais do mundo a propiciar a avistagem dos Big Five (poucos países no continente africano se habilitam a um safari completo).
Mas alerta: depois de um safari, você nunca mais desejará ir a um zoológico.
4. Cape Town, uma carioca na África
A África do Sul tem sua Rio de Janeiro, que se chama Cape Town (eu sei, a maioria dos textos BR traduz para Cidade do Cabo, mas como os sul-africanos, nem ninguém no planeta, traduz Rio de Janeiro para January River, eca, vou honrar e manter o nome original).
A paisagem de Cape Town é dominada por uma extensa montanha de cume plano, que leva o sugestivo nome de Table Mountain (já vi traduções para Montanha Mesa, mas prefiro uma diarreia em viagem a escrever isso). São 1.085 metros de altitude, que, vista de baixo, se agiganta ainda mais. Tal qual a capital fluminense, um bondinho leva até o topo.
Cape Town também ostenta praias lindíssimas e um clima bem mais relax do que Johannesburg (que é maior e economicamente mais importante). Por outro lado, revela mais desabrigados pelas ruas.
Enfim, Cape Town está para o Rio de Janeiro como Johannesburg está para São Paulo. Visite as duas, mas realmente programe passear muito por Cape Town. (Ah sim, Cape Town parece mais segura do que o Rio… mas não vacile!)
5. Cabo da Boa Esperança
Se te ensinaram na escola que o ponto mais meridional do continente africano se chama Cabo da Boa Esperança, te enganaram. Honra este título o Cabo das Agulhas, não muito distante dali. Mas tudo bem, o lugar, ao sul de Cape Town, merece estar nos nossos livros de História: foi descoberto em 1488 pelo navegador português Bartolomeu Dias, e desde então, se tornou ponto importante de rotas marítimas.
Num primeiro momento, foi chamado de Cabo da Tormenta. Contam as crônicas de viagem que foi rebatizado pelo rei português Joao II, que assim denominou já que, ao ser dobrado, o cabo era a boa esperança, ora pois, de se chegar à almejada Índia.
História à parte, que se conheça também pela geografia: um cartão postal formado por morros, falésias, praias e um mar azulado, tudo observado, do alto de um rochedo, por um centenário farol (onde uma placa informa que o Rio de Janeiro – sim, o Rio mesmo – está a 6.055 km de distância dali).
6. Vinícolas – África também produz (bom) vinho
A região do Mediterrâneo, onde estão França e Itália, é famosa pelos seus vinhedos. Pois diz-se que aqui, na África do Sul, se reproduz as mesmas condições climáticas para o bom plantio de vinhas.
Ou fiquemos no mundo novo: o mesmo paralelo 30 que corta o Chile, a Argentina, o sul do Brasil e a Austrália – todos famosos pela vitivinicultura – também atravessa a África do Sul. Pronto, garantia de uma boa bebida do deus Baco no sul da África.
As regiões produtoras de vinho da África do Sul são basicamente cinco: Cape Coast, Boberg, Olifants River, Breede River Valley e Klein Karoo. Cape Town é uma boa porta de entrada para esses locais e os viajantes motorizados podem curtir a Cape Route 62, rota de vales férteis e muitas bodegas.
Mas viajantes sem carro também conseguem aproveitar: entre as muitas vinícolas nas cercanias de Cape Town está Groot Constantia, a mais antiga do país, fundada em 1685. Patrimônio histórico, o lugar oferece fácil acesso (é parada de uma das linhas do ônibus CitySightSeeing), paisagens lindíssimas, visita a uma das adegas e, a melhor parte, degustação de vinhos (5 vinhos, 75 rands, em torno de R$ 18, ou com tour pela adega e combinação de 5 chocolates diferentes, 120 rands, R$ 29).
7. Garden Route – passeio na estrada
Os sul-africanos, como boa ex-colônia britânica, dirigem na mão inglesa. Superado esse pequeno desafio, você pode alugar um carro e, por conta própria, percorrer as belas paisagens do país. A qualidade das estradas ajuda muito.
Um dos mais famosos percursos é a Garden Route, que atravessa parte da região costeira, especialmente de Mossel Bay a Stormsriver, junto ao Parque Nacional de Tsitsikama (200 km). Ou, num trajeto alongado, de Cape Town a Port Elizabeth (850 km).
Ao longo da “Rota Jardim”, você irá se deparar com várias cidades, vilarejos, praias, lagos, florestas – diferentes locais onde se pode praticar surfe, caiaque, canoagem, mountain bike e até bung jump, ou simplesmente apreciar as paisagens cinematográficas.
8. Praias – belezas africanas
O continente africano tem praias lindas, e pouca gente sabe disso. Na África, em termos de beleza litorânea, nenhum país se compara a Ilha Seicheles (como competir com um arquipélago no meio do Oceano Índico?). Já na porção continental propriamente, a África do Sul é o destino se você deseja curtir um cenário espetacular de areia branquinha e mar azul.
Cape Town, cheia de belezas naturais, conta com pelo menos 3 praias dignas de uma boa parada – Clifton, Bloubergstrand, emolduradas pela Table Mountain, e Muizenberg, também cercada por montanhas, que ainda tem em sua areia uma pitoresca linha de casinhas coloridas.
Na Garden Route, se destacam a urbanizada Plettenberg Bay, a florestal Nature’s Valley e, principalmente, a surfista Jeffrey’s Bay, que atrai praticantes desse esporte de todos os lugares do mundo.
Outras praias bonitas são a Nahoon Beach, em East London, Thonga Beach e Rocktail Bay, ambas situadas no Wetland Park e bastante preservadas, e Grotto Beach, onde é possível avistar baleias.
Todas as praias são lindas – mas como nem tudo é perfeito, a água costuma ser bem gelada, prepare-se…
9. Hotel, comida, serviços e tudo de bom
De ótimos hotéis a estradas bem conservadas, de maravilhosos restaurantes a city tours bem organizados. Os serviços e a infraestrutura da África do Sul não deixam nada a desejar em relação a qualquer país europeu – com preços bem mais em conta.
Com certeza, a Copa do Mundo de 2010 ajudou muito, os sul-africanos se prepararam bem para o grande evento, investiram em obras e melhorias e não fizeram feio (ao que parece, com um cronograma melhor cumprido do que nós, brasileiros, fizemos no Mundial seguinte, em 2014).
Johannesburg e Cape Town são as duas principais cidades, e ambas contam com um ônibus de sightseeing, aqueles vermelhos de dois andares, com áudio disponível em vários idiomas (inclusive português), que facilita muito dar uma geral nas principais atrações e parar naquelas em que se quer conhecer melhor.
Aproveito para dar umas dicas de hotéis, restaurantes e transportes.
Em Johannesburg: Hotéis que posso recomendar: Ginegaap Guesthouse, uma residência bacana situada no agradável bairro de Melville; e Saxon, um sofisticado hotel rodeado por muito verde, com uma bela piscina, e que ainda oferece spa, ótima pedida se grana não for problema. Restaurantes: Lucky Bean, em Melville, ambiente descolado, agradável, com ótima comida e, às vezes, música ao vivo; Clico, restaurante de um hotel boutique, no vibrante bairro de Rosebank, oferece um proveitoso menu degustação, não exatamente barato, mas mais em conta do que você pagaria por um similar no Brasil; The Local Grill, excepcional restaurante de carnes, onde você come um filé ou mesmo uma picanha melhor do que em São Paulo, Porto Alegre ou Buenos Aires. Em Cape Town: Hotéis: Sweet Olive, um pequeno e acessível hotel com apenas 5 quartos, situado na área de Sea Point, próximo às praias; Dysart, hotel boutique bastante charmoso, com um café da manhã excepcional, no meio do descolado bairro de Green Point; Cloud 9, ótimo hotel próximo da área central, conta com um bar no terraço onde há uma espetacular vista 360 graus da Table Mountain. Hostel, só posso dar uma dica contra: Long Street Backpackers, péssimo albergue (um dos piores em que já estive), quartos do tipo cama/beliche e paredes, com poucos e sujos banheiros. Não tem café da manhã e ainda cobram pela internet. Mas sei que existem albergues bacanas em Cape Town. Restaurantes: Addis in Cape, comida etíope, ótimo restaurante para provar a injera, o magnífico prato de uma das mais saborosas cozinhas africanas; Van Hunks, bar e restaurante animado, com pizzas e burgers fartos, saborosos e baratos; Simply Asia, rede de comida tailandesa e asiática em geral, presente em várias cidades sul-africanas, com bom noodles; NY Slice Pizza, inspirado nas pequenas pizzarias de Nova York, vende fatias honestas por apenas 24 a 28 rands (R$ 5 a R$ 6,50). Transportes: Johannesburg possui um (caro) trem/metrô, o gautrain, mas sua penetração é bastante limitada; a cidade é grande e as atrações estão bem espalhadas de modo que transporte público é complicado. Cape Town não tem trem nem metrô, mas é uma cidade mais fácil de se orientar e o sistema de ônibus, bem sinalizado nas paradas, parece acessível – no entanto, exige que se adquira um cartão de transporte previamente. Assim, muita gente sugere um carro para circular pelas cidades. Acho bobagem (exceto se for para viajar pelo país). Tanto em uma como em outra usei e abusei de uber, com corridas médias custando entre 50 e 60 rand (o equivalente a R$ 12 ou R$ 15; ou, para o aeroporto, em torno de 4 vezes mais).
10. Promoção de passagens
Desde o ano passado, a Latam começou a operar voos diretos entre Brasil (São Paulo) e África do Sul (Johannesburg), fazendo concorrência a South African Airways – o que é ótimo, pois ambas frequentemente se veem obrigadas a baixar as suas tarifas.
Nessa disputa ainda entra a TAAG, companhia angolana que faz conexão em Luanda (uma pena o governo de Angola não isentar vistos de brasileiros, seria um ótimo incentivo para visitar uma nação de língua portuguesa).
Para viajar pelo país, várias companhias locais operam voos domésticos – como Kulula, Mango, FlySafair – com tarifas razoáveis, sem grandes picos de alta de passagens, como no Brasil.
Em tempo: atualmente, as melhores promoções têm sido encontradas na TAAG, voos, conforto e serviço ok, valem o custo-benefício de uma passagem barata. O único problema é ouvir a música-chiclete que toca em todos os pousos e decolagens “é duuuro/mas é mais seguuuuro/é tudo que eu quero pra miiim”!
BÔNUS – Suazilândia
Quem tal conhecer um país que você talvez nem saiba que exista? A Suazilândia é uma micronação incrustada no nordeste da África do Sul (tem uma pequena fronteira com Moçambique), distante apenas 3 horas do Kruger Park, bom para quem estiver fazendo um safari nesse parque.
Bem menos turístico, o país, uma das últimas monarquias absolutistas do continente, oferece uma fascinante paisagem de montanhas, vales, florestas e savanas – que já podem ser apreciadas por quem vem de carro desde o Kruger Park, pela R541.
Também chama a atenção aqui a peculiar cultura dos Ngunis, incluindo os zulus sul-africanos, que têm, entre outras normas, a poligamia masculina: homens podem se casar com quantas mulheres quiser – o rei tem apenas 18 esposas, seu pai teve 120.
Outros atrativos do país são os mercados swazi (e os artesanatos aqui são mais baratos do que na África do Sul), o Parque Nacional Hlane Royal, a Reserva Mkhaya, ambas com animais como elefantes e hipopótamos (mas longe de ser um safari completo) e a Reserva Mantenga, onde você pode conferir o vilarejo e as ocas dos nativos, que costumam mostrar aos visitantes seus costumes e suas interessantes danças típicas.
Quanto aos serviços, a Suazilândia não faz feio, antes pelo contrário. As estradas mantêm o bom asfalto da África do Sul, os trâmites alfandegários são relativamente rápidos (tal como para África do Sul, a Suazilândia não exige visto prévio e pago de brasileiros), os hotéis, restaurantes e agências cumprem muito bem suas funções.
Posso recomendar, tanto como hotéis como restaurantes: Mountain Inn, situado na capital Mbabane, próximo à área central, conta com uma bela piscina e oferece restaurante buffet livre; Mantenga Lodge, mais afastado, próximo à reserva de mesmo nome, situado numa agradável zona arborizada, dono de um ótimo restaurante com vista para a floresta e as montanhas.
Para passeios pelo país, Swazi Trails, que tem ótimos guias, como o simpático Mseni, e oferece tantos tours focados no lado cultural como no aventureiro.
A África do Sul abarca outro país, 100% em seu território, Lesotho – mas esse vai ficar para outra viagem! 😉