Por Luciana Ferreira
Sempre fui apaixonada por diferentes culturas, por história e por pessoas, e não há um lugar melhor para encontrar tudo isso do que na Índia, o segundo país mais populoso do mundo. Estima-se que em 2050 haverá 1,65 bilhões de pessoas no país, e a quantidade de gente só não é maior do que a riqueza que encontramos no território.
Dentro da Índia, cada estado tem uma cultura totalmente diferente, assim como culinária e idioma; são 21 línguas reconhecidas pelo Estado indiano, mas há relatos sobre a existência de mais de 400 dialetos, alguns falados por pequenos grupos isolados.
Viajar para a Índia necessita de muito planejamento, tempo e dinheiro. Eu tinha tempo e algum planejamento, mas não tinha dinheiro. Fiquei aproximadamente dois anos economizando cada centavo, décimo terceiro e PIS para comprar a tão sonhada passagem, por isso digo: se eu pude viajar para a Índia ganhando quase um salário mínimo, qualquer um neste mundo pode viajar.
1. Os aromas
A primeira coisa que percebi quando cheguei à Índia foram os odores. Tudo cheirava a tempero, o ar, as roupas no varal e até mesmo o bebezinho, sobrinho de uma amiga, cheirava a uma sementinha parecida com alpiste, que eles colocam em tudo. É um cheiro forte, seco, amadeirado e apimentado, mas que com o passar dos dias acostuma-se e deixa-se de sentir. Além dos aromas culinários, há bastante fumaça no ar – originada de queimas principalmente de excrementos de vacas.
Vi montanhas de rodelas de excrementos empilhadas, as quais, segundo minha amiga, são utilizadas para cozinhar e até mesmo na construção. As ruas têm muitos odores e, infelizmente, vi muito lixo e esgotos a céu aberto que empesteavam o ar. Porém, e além destes, ao caminharmos encontramos deliciosos aromas de incensos, não tão adocicados quanto os que compramos em feiras hippies. O olfato é o primeiro sentido estimulado pela Índia.
2. Vestimentas e os apetrechos
Cor é algo muito importante na Índia: você pode ver como as pessoas adoram roupas coloridas e cheias de decorações. A maioria das mulheres ainda usa o saree, um tecido de sete a nove metros, que é enrolado no corpo de diversas maneiras e, de acordo com a região, pode significar que a mulher é casada. Em ocasiões especiais – casamentos ou festivais –, as mulheres costumam colocar os seus sarees mais lindos e se cobrir de ornamentos. As mulheres usam inúmeras pulseiras em ambos os braços, assim como tornozeleiras, também nos dois tornozelos. Há sempre um barulhinho enquanto caminham.
Apesar de toda tradição, algumas preferem usar roupas ocidentais em seu dia a dia, mas não dispensam as vestes tradicionais em épocas especiais. Os rapazes, dependendo da região, usam roupas mais simples, como jeans e camiseta, mas em muitos lugares ainda trajam kurtas (longas camisas). Também podemos observar mulheres utilizando o hijab (lenço que cobre os cabelos e o pescoço) e até mesmo a burka (vestimenta que cobre a mulher da cabeça aos pés, deixando visíveis apenas os olhos). Tudo isso pude ver em Pune (a mais de 1400km de distância de Nova Deli), cidade onde fiquei mais tempo. Foi bom ver que meninas usando minissaias conviviam pacificamente com as que se cobriam por inteiro.
3. Os sapatos
Quem vai para a Índia e não tem a chance de entrar na casa de um indiano e passar algum tempo com ele, poderá não perceber alguns detalhes sobre o povo. Algumas vezes, fiquei envergonhada ao esquecer de tirar os sapatos quando entrava na casa de alguém e tinha que voltar e colocá-los perto da porta. Percebi que um grupo de mulheres que trabalhava no condomínio também tirava os sapatos quando ia comer num gramadinho; parece-me que tirar os sapatos é uma questão de respeito ao espaço. Percebi também que tudo é muito “no chão”: as pessoas se sentam no chão para comer e até dormem no chão – o sofá e a cama não tinham pés. Em alguns aspectos, podemos dizer que eles têm “os pés no chão”.
4. Comer com as mãos
Em muitas regiões da Índia, as pessoas não utilizam talheres para se alimentar, apenas as mãos. Dizem que consideram anti-higiênico. Mais ocidentalizados, nos restaurantes e shoppings sempre há talheres, mas mesmo nestes lugares as pessoas podem usar as mãos para comer os pães, frangos e outras especiarias. Confesso que senti um alívio em poder pegar o frango com as mãos sem que ninguém ficasse me olhando. No fim das refeições, os restaurantes oferecem uma água morna com limão para que limpemos os nossos dedinhos – me senti no século passado.
Há, também, algumas sementinhas de erva doce com uma camada doce (parecida com a amêndoa fabricada em época de Semana Santa) para refrescar o hálito após as refeições. Outra peculiaridade: sempre que sentávamos em um restaurante ou lanchonete, nos serviam copos de água. Porém, não é muito conveniente beber, pois nunca se sabe a origem da tal água. Falando nisso, achei engraçada a maneira como eles bebem a água da garrafa: levantam a cabeça, abrem a boca e deixam a água cair, sem encostar a garrafa na boca. Essa é a Índia!
5. Hábitos de higiene
Esse assunto é polêmico. Sabemos que a maioria das casas indianas ainda não tem banheiro e que muitos fazem suas necessidades em banheiros públicos ou nas ruas. Grande parte das casas que tem banheiro não possui o conhecido vaso sanitário, e sim uma louça no chão, onde temos que fazer as necessidades biológicas agachados. Não se preocupe, você geralmente encontrará o tradicional vaso sanitário em hotéis, mas é bom se acostumar com a ideia de ter que experimentar outras opções. Além disso, não há muito o hábito de utilizar o papel higiênico. Eles fazem a limpeza com água e a mão esquerda. Alguns dizem que água limpa mais que papel, e não deixa de ser verdade. Hábitos à parte, não esqueça de levar o seu papel higiênico na bolsa. Observei que algumas mulheres tinham unhas compridas apenas na mão direita, cada um que imagine o que quiser.
É bom prestar muita atenção nos lugares onde for comer. Muitos viajantes contraem a famosa diarreia indiana. Isso não que dizer que o povo indiano não tenha higiene, apenas que alguns hábitos são diferentes dos nossos. Muitos têm o costume de sempre tomar banho ao levantar e ao ir dormir, independente de qualquer coisa, e são bem exigentes com limpeza e higiene. Falando em banho, a maioria ainda não tem chuveiros elétricos em casa e se banha jogando água de baldes.
6. Balançar de cabeça
Muito se fala sobre o “balançar de cabeça indiano”. Eu ficava encantada ao ver. É como se fosse uma dança e que cada “balançar” tivesse significado de acordo com o momento e a expressão do indivíduo. O povo indiano é bastante expressivo – até mesmo quando dançam, as pessoas querem dizer alguma coisa. Os movimentos ao dançar são como pequenas falas e creio que isso venha das antigas danças e dos teatros, em que cada movimento de olho queria expressar algo. Quando estavam indecisos, quando queriam dizer “sim”, “mais ou menos”, “talvez” e até “não”, utilizavam o mesmo balançar de cabeça. É muito interessante observar a linguagem corporal de outros povos, isso nos faz pensar sobre a nossa própria maneira de expressão.
7. O amor pela sua cultura
É muito claro o amor do indiano pelos seus costumes – inclusive pelos costumes mais severos, como o casamento arranjado. Assistindo aos filmes bollywoodianos, podemos perceber que mesmo que tratem de assuntos polêmicos, as personagens nunca enfrentam os familiares ou desobedecem. Uma das maiores paixões nacionais é o cinema, e arrisco a dizer que ele influencia e muito a vida das pessoas. Eu perdi a chance de ir até um, você não perca!
É interessante viajar para Índia enquanto acontece algum festival. Há inúmeros, e as pessoas realmente vivem as tradições com toda a força. Um dos mais famosos é o Diwali, o ano novo indiano, que acontece entre outubro e novembro e é celebrado como se fosse o nosso Natal, com muitas luzes, comida e votos de felicidades. Eu tive a oportunidade de participar do Holi, o festival das cores; as pessoas se levantam cedo e durante todo o dia passam pó colorido umas nas outras, jogam água e brincam. Todo mundo participa em família; foi uma experiência maravilhosa!
8. Trânsito maluco
Caminhando pelas ruas estreitíssimas de Haridwar (a 205km da capital) ou pelas modernas avenidas de Pune, pude perceber o mesmo caos organizado. Em Haridwar, eram búfalos, bicicletas, riquixás, carroças, motos, carros, pedestres, todos competindo por um espaço e sem nenhuma regra específica. Era incrível como não aconteciam acidentes e como o trânsito conseguia fluir. Lá, as buzinas têm outra utilidade: sempre que há algum carro na frente, o motorista buzina para avisar que está atrás; não é uma reclamação ou ameaça, mas um costume normal do trânsito. A propósito, adorei andar de riquixá, é super rápido e passa em qualquer lugar.
Muito curioso era um ônibus com camas, tipo beliches. Era um ônibus normal, só que no lugar das tradicionais poltronas, colocaram camas com cortininhas, para privacidade. Em cada cama cabia duas pessoas, porém, se você estivesse viajando sozinho, corria o risco de ter que dividir a cama com um desconhecido, como aconteceu com o marido de uma amiga.
Sobre ter viajado
O melhor da viagem foi estar entre os indianos e viver o dia a dia e a cultura. Viajar para a Índia é como pegar uma máquina do tempo e ir para um lugar distante de tudo e de todos. Pois, apesar de todo modernismo e crescimento econômico que o país vem vivendo, os antigos costumes (e bota antigos nisso) estão mais presentes do que tudo! É como ver personagens de filmes antigos, que antes só existiam no imaginário das histórias fantásticas e dos livros de história, saindo e se tornando realidade.
Algo que parecia tão distante se materializa e mostra que o mundo não é só o que sabemos existir, não é só o que sentimos como certo e familiar. Viajar para a Índia é perceber que o ser humano é “muitos” e que tudo o que nos forma – a nossa realidade, dos gostos às lembranças infantis sobre comida, escola, brincadeiras, filmes, músicas – não existe em outras partes do mundo. Para quem gosta de cultura e de história, deve ser difícil se impressionar com algo mais depois de conhecer a Índia.