Por Mathias Boni
Bósnia e Herzegovina. Ao se ouvir esse nome, qual a primeira coisa que normalmente vem à cabeça? Provavelmente guerra, e imagens do conflito dos anos 90, quando os telespectadores do mundo inteiro foram praticamente apresentados a este país sendo bombardeados de notícias dos combates.
E Sarajevo? “Em Sarajevo, em 1914, o herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro foi assassinado, ocasionando o estopim para a 1ª Guerra Mundial”. A frase já é quase automática, e parece que todos nós a aprendemos da mesma maneira, sempre ensinada com a palavra estopim.
Os fãs de U2 talvez relacionem o nome da cidade à famosa música da banda, “Miss Sarajevo”, mas que também fala da guerra do final do século passado. Vinte anos após o término da Guerra da Bósnia, os bósnios buscam olhar para frente e querem desvincular o nome de seu país das tradicionais referências de violência.
O passado
Depois de um longo período de domínio do Império Otomano, que legou aos bósnios, entre outras coisas, sua paixão por café e sua religião predominante – o islamismo –, a Bósnia iniciou o século XX como membro do Império Austro-Húngaro.
O já referido assassinato do arquiduque herdeiro desse império em Sarajevo, cometido por um nacionalista sérvio, ficou marcado como o acontecimento que impulsionou o início de uma guerra já inevitável na Europa, e que foi de grandes consequências para o país.
Ao final da Primeira Guerra Mundial, a Bósnia passou ao domínio do Reino da Sérvia, e, depois de mais algumas décadas de conflitos na região, após ainda a Segunda Guerra Mundial, os bósnios foram incorporados à recém criada República Socialista Federativa da Iugoslávia.
Já no final do século, com o desmembramento iugoslavo, os bósnios, que lutavam por sua autonomia, foram arrastados à sangrenta Guerra da Bósnia, pois os sérvios tentavam impedir o país de se tornar independente.
A Guerra da Bósnia ainda é muito recente, e a memória machuca muito a população. Os bósnios, de maneira geral, procuram até evitar o assunto, disfarçam; quando perguntados, querem falar de outra coisa. Foram mais de cem mil mortos, e a cidade é tomada por cemitérios, que brotam de todos os lugares.
O conflito traz ainda repercussão no campo político: até hoje a Bósnia é administrada por um governo tríplice, que conta com representantes bósnios, croatas e sérvios. Os bósnios elegem o membro bósnio e o membro croata, mas o membro sérvio é eleito pelos próprios sérvios.
O recente ingresso da Croácia na União Europeia, em 2013, promete ajudar a Bósnia e seus vizinhos dos Bálcãs a trilhar o mesmo caminho. Aderir ao bloco econômico e político das potências do continente é a maior ambição do país atualmente. Dos países oriundos da Iugoslávia, além da Croácia, apenas a Eslovênia já é membro da União Europeia, tendo ingressado em 2004.
O presente
Apesar da lembrança permanente da guerra, que os blocos brancos dos cemitérios e as marcas das balas nas paredes das casas não deixam esquecer, os bósnios querem olhar para frente. Não querem mais ter o nome do seu país associado sempre ao massacre dos anos 90.
A Bósnia tem história e cultura riquíssimas, que a população faz questão de preservar. O sentimento de orgulho nacional impera atualmente na população, e vários meios são utilizados para expressar esse orgulho, incluindo o futebol.
O país todo se pintou e se enfeitou com as cores da seleção de futebol para acompanhar a participação do time na Copa do Mundo no Brasil, em 2014. A má campanha não desanimou os torcedores; só o fato de a Seleção Nacional estar no Brasil representando a Bósnia e Herzegovina, na condição de país independente, aos holofotes do mundo inteiro, já os encheu de alegria.
O turismo também contribui de maneira decisiva para o novo momento que o país vive. Os destinos dos Bálcãs têm sido muito procurados, principalmente pelo baixo custo em relação aos destinos tradicionais do continente, e Sarajevo tenta cada vez mais se inserir nesse roteiro.
O aeroporto não é muito moderno, mas tem um grande valor histórico: era a ligação que os bósnios tinham com o resto do mundo durante o período em que os sérvios sitiaram a cidade.
Um túnel subterrâneo extenso ligava o aeroporto até outra parte relativamente segura da cidade, e era por esse túnel que a população recebia ajuda exterior, com alimentos, roupas e medicamentos. O “túnel da vida”, como ficou conhecido, foi preservado, e é muito visitado por turistas atualmente.
Sarajevo é de uma singularidade única. Mesquistas, sinagogas e igrejas cristãs habitam as mesmas calçadas. Muitos estrangeiros, principalmente sérvios e croatas, também moram na cidade.
Os povos da região dos Bálcãs, originalmente oriundos dos eslavos, se diferenciam por sua religião, fruto de sua colonização: a região da Croácia sofreu maior influência dos romanos, por isso é de maioria católica.
A região da Sérvia sofreu maior influência dos russos e búlgaros, por isso possuem a maioria cristã-ortodoxa; os bósnios, como já mencionado, são de maioria muçulmana por herança do Império Otomano. Por esta razão, nos Bálcãs, a religião é muito ligada ao nacionalismo.
O centro antigo da cidade é muito bem preservado, e em momentos pode levar a viagens no tempo. Suas ruas de pedras estreitas contornam as várias lojas dos comerciantes locais, que têm trabalhos manuais belíssimos. As cafeterias são os principais locais de reunião da população, que vai para tomar café, claro, e fumar sisha, também conhecido como narguilé.
No centro antigo também se localiza a Sebiji, uma antiga fonte do período otomano, uma das principais atrações locais. A capital tem também um centro moderno, quase todo construído no século XXI, que não se diferencia muito das outras cidades mais convencionais da Europa: há shoppings, bares, restaurantes e lojas do McDonald’s – mas um kebab local com certeza é bem melhor.
Hoje, os bósnios vivem novos tempos. A guerra não faz mais parte do cotidiano das pessoas, e a época de “Miss Sarajevo” está ficando cada vez mais pra trás. Empolgada com o momento do país, a população desfruta atualmente de um sentimento diferente, de liberdade, pois podem finalmente sair às ruas e viver sem medo, seja trabalhando e estudando, seja fumando sisha e tomando café. Depois do século das guerras, para a Bósnia, que venha o século da paz.