Por Henrique Kugler
Dublin, a cidade de James Joyce. Foi aqui que o grande escritor irlandês se inspirou para arriscar algumas das canetadas mais ousadas da literatura universal. Ulysses, sua obra magna, foi quase que um experimento literário anárquico – para você ter uma ideia, o último capítulo desse romance tem dezenas de páginas e, acredite, é composto por uma única frase. São nada menos que 4.391 palavras! Imagino que, à época, os editores devem ter ido à loucura.
De fato, Dublin é cheia de peculiaridades. E não faltam atrativos para os viajantes que se aventuram por essa capital estilosa e serena. A propósito, é uma das cidades europeias mais frequentadas por brasileiros, já que muitos – muitos mesmo – optam por estudar inglês por essas bandas. O motivo é simples: o visto de estudo permite também que o sujeito trabalhe.
Mas, voltando aos atrativos turísticos, o be-a-bá dublinense inclui visitar atrações como o magnífico Trinity College; o agradabilíssimo National Botanic Gardens; o imponente National Museum of Ireland; a linda e indefectível St Patrick’s Cathedral; entre tantas outras coisas bacanas. Mas, sejamos honestos, um dos grandes chamarizes de Dublin é a onipresença de incontáveis bares e pubs, verdadeiras marcas registradas da capital irlandesa.
Aliás, não se culpe: estar em Dublin é motivo suficiente para se permitir entortar o caneco um tanto além da conta. Mas a ressaca é inexorável. E para encarar esse momento tão lamurioso e sombrio da vida etílica, conheço duas categorias de seres humanos.
O primeiro tipo é daqueles que ficam mofando no quarto – seja para lembrar com saudosismo as glórias da noitada anterior, seja para lamentar os preciosos euros despendidos em tantos pints de Guinness.
Já o segundo tipo é daqueles viajantes mais hiperativos, que, em vez de aderir à inércia do sedentarismo pós-manguaça, preferem arejar a cabeça nalgum lugar preferencialmente afastado do caos urbano e das seduções da vida profana.
É para esse segundo tipo de forasteiro que tenho duas boas dicas. São duas escapadas clássicas, facilmente acessíveis a partir de Dublin. A primeira é a península de Howth, na costa do mar da Irlanda. E a segunda é o Giant’s Causeway, na região setentrional da Irlanda do Norte – sem grilo, pois, tecnicamente, mesmo sendo outro país, é quase como ir passear num outro bairro.
Howth
Nem precisa levantar tão cedo. Em praticamente qualquer estação de Dublin, os trens para Howth são frequentes – dependendo do dia, a cada meia hora sai um. E a jornada, que custa pouco mais de €6, leva cerca de 40 minutos.
Howth é quase como uma pequena vila pesqueira: tem um cais, um pier, um pequeno porto… E muitos restaurantes que servem frutos do mar. Com sorte, é até possível avistar focas ao longo da costa. Elas zanzam por ali para alguma espécie de parada técnica durante suas longas jornadas de migração.
Outra atração de Howth são as ruínas de um pequeno castelo, além de uma igrejinha de pedra para lá de simpática rodeada por flores da estação e gramados verdejantes.
O maior atrativo dessa península, no entanto, é a trilha que costeia o oceano. Há dois principais trajetos: um leva cerca de 40 minutos; outro, cerca de três horas. Em qualquer caso, a recompensa visual vale a pena. São encostas, declives, terrenos rochosos a contrastar com o verde e, como bônus, a brisa daquele mar azul que se perde de vista no distante horizonte.
Ao final do trajeto, chega-se em uma espécie de vila. E, como estamos na Irlanda, é claro que há nessa vila um pub. Sim, um pub. Mas, ei, um momento… Afinal, o objetivo dessa empreitada não era justamente dar um jeito naquela ressaca? Sem grilo. Uma cervejinha a mais não mata ninguém. Na pior das hipóteses, basta pedir um suco de laranja. Fique atento, porém, pois esse pub é caro.
Se suas economias estão em risco, quase em frente ao local existe uma espécie de mercadinho onde você pode comprar de tudo, inclusive um rango bem mais em conta. Para voltar à estação de trem, você tem duas alternativas: ou retorna caminhando pelo mesmo trajeto, ou pega um ônibus, que, por menos de €3, vai até a parte central de Howth.
Giant’s Causeway
A segunda dica para quem quer fugir do agito de Dublin é dar um rolé pela Irlanda do Norte e conhecer uma das formações geológicas mais intrigantes da Europa: o Giant’s Causeway. São mais de 40 mil colunas de basalto – em formas geométricas muito peculiares que são, em sua maioria, colunas pentagonais, hexagonais ou de sete lados.
Essas colunas, dizem os entendidos, foram formadas entre 50 e 60 milhões de anos atrás. Num belo dia, ou melhor, numa bela época, havia tanta lava se movimentando nas entranhas da Terra que parte desse material, ao entrar em contato com as águas oceânicas, se resfriou e acabou formando essas belas estruturas rochosas que hoje são uma das principais atrações da Irlanda do Norte.
O rito desse passeio normalmente inclui dois outros pontos de interesse que ficam bem próximos do Giant’s Causeway. O primeiro é o Dunluce Castle, algo naquele estilo ‘ruínas de pedra numa pirambeira de mar’.
O segundo é a Carrick-a-rope, uma simpática ponte de corda que liga duas formações rochosas de beleza quase paradisíaca – isto é, quando a meteorologia colabora. Em tempo nublado ou chuvoso, a paisagem é provavelmente monótona. Mas em dias ensolarados, o viajante encontrará sem dúvida uma das vistas mais lindas da Irlanda.
Atenção: tanto o Giant’s Causeway quanto a Carrick-a-rope demandam um certo esforço de caminhada. Nada terrível. Mas prepare-se para andar por, talvez, uma meia horinha até chegar aos locais de interesse. Não esqueça sua garrafa de água, nem seu mantimento estratégico de chocolate, fruta, cereal ou coisa que o valha.
A partir de Dublin, a melhor forma de se conhecer esses lugares é provavelmente alugando um carro – para quem quer gastar mais e ter o máximo possível de independência. A propósito, se a ideia é garantir fotos espetaculares, essa é a única alternativa possível. Pois ao longo de quase todo o dia, hordas de turistas desembarcam por lá. Com um carro alugado, porém, pode-se explorar o local naquele momento especial que, no jargão fotográfico, é conhecido como ‘hora dourada’. Falo do nascer e do pôr do sol.
Muitos optam pelos serviços turísticos. A agência LoveIreland, por exemplo, oferece bons preços para o passeio. Com uma vantagem: você sai de Dublin pela manhã e volta no mesmo dia, por volta das 20h. O preço gira em torno dos €49. Mais opções podem ser estudadas pelo Dublin Visitor Centre.
Se você quer encarar esse trajeto por meio de transporte público, também é possível. Mas dá um pouco mais de trabalho. Primeiro, deve-se ir a Belfast. E, de lá, pega-se um trem ou ônibus para Coleraine, que é a cidadezinha mais próxima do Giant’s Causeway.
O trajeto leva menos de duas horas. Vantagem: sai mais barato, e esse esquema permite maior flexibilidade de tempo para curtir o passeio. Desvantagem: via transporte público, não será tão prático visitar, na mesma jornada, o Dunluce Castle e o Carrick-a-rope. Mas a decisão é sua.
De qualquer modo, se você perder o ônibus na ida ou na volta, não há motivos para se preocupar. Certamente haverá, nas imediações, algum bar ou pub para administrar o tempo ocioso. Afinal, você está na Irlanda. E aqui, em se tratando de bares e pubs, quem procura acha.
Bônus
Curiosidade 1: Os irlandeses se orgulham de sua cerveja mais celebrada no mundo, a Guinness. É uma cerveja do tipo escura. A fábrica fica em Dublin, às margens do rio Liffey. As águas desse rio eram tão poluídas que, reza uma piada local, é por isso que a Guinness é escura. Hoje, toda a produção local dessa bera é consumida pelos próprios irlandeses – e a Guinness que chega ao resto do mundo é, na verdade, produzida na Nigéria. Mas os irlandeses afirmam convictos que o sabor da Guinness local é imbatível.
Curiosidade 2: Você com certeza já viu, nas clássicas vinhetas de abertura dos filmes da MGM, um baita leão rugindo. Sete felinos já foram usados nessas vinhetas, mas o primeiro deles foi Slat, um leão nascido no zoológico de Dublin em 1919.