Por Michelle Beralde
Você olha. Aperta os olhos. Levanta a sobrancelha. Ainda não sabe se acha bonito ou bizarro. Ou os dois. De alguma forma aquilo te intriga. Melhor ainda se te fez refletir além do choque inicial. Alguns são interessantes, outros não muito agradáveis ao olhar, mas o que vale é chamar a atenção para causas que, assim como os espaços abandonados da cidade, são evitadas.
Grandes cidades são o berço das intervenções artísticas de cunho ativista através de arte clandestina. Assim como rege o conceito de intervenções urbanas: atrair o olhar para espaços das grandes cidades degradados ou esquecidos, as intervenções também buscam atrair a atenção dos transeuntes para causas abafadas e ideias polêmicas.
Só que muito além de tinta na parede, esses artistas nos fazem olhar com outros olhos objetos comuns que fora de contexto e de tamanho padrão se destacam. De garrafas PET gigantes às margens de um rio morto a carroças estilizadas e milhares de mini-homens gelo, os trabalhos desses artistas mostram que o fim pode justificar os meios.
Intervencionismo paulistano
Intervenções urbanas colorem a selva de pedra e ainda defendem boas causas. A São Paulo do cinza e do concreto pode ter mais cores do que você imagina. A capital latino-americana da arte urbana abriga trabalhos de artistas de peso, super engajados em suas causas.
Como juntar arte, cidade e meio ambiente, chocar e assim conseguir transmitir uma ideia sobre proteção ambiental? Eduardo Srur faz intervenções urbanas bem provocativas na cidade de São Paulo. A intenção do artista paulistano é impactar os cidadãos anestesiados pela vida urbana e fazê-los se incomodar com o que está errado na cidade.
O artista deixa claro através de seu discurso e obras sua conexão com a água, e neste mês ela volta a ser o tema de suas intervenções. Se você for visitar a capital paulista até o fim de novembro e passar pelas margens do rio Pinheiros, não se assuste ao avistar um gordinho semi calvo de regata e cueca branca num trampolim azul na Ponte Cidade Universitária. Ele faz parte da nova exposição de Srur: Às Margens do Rio Pinheiros.
Mas a obra não agrada a todos os olhares. A polícia e o corpo de bombeiro receberam mais de 300 ocorrências sobre ‘pessoas querendo se jogar no Rio’ em menos de duas semanas após a instalação das obras. Outros relataram quase terem sido atropelados, ou quase batido o carro ao confundirem os bonecos com pessoas de verdade. Mas o artista bate o pé para a obra ficar onde está.
Reciclagem do Olhar
Seu trabalho mais marcante, Reciclagem do Olhar, reuniu garrafas PETs gigantes e coloridas espalhadas ao longo da Marginal Tietê – rodovia em São Paulo que fica às margens do que um dia já foi um rio. Além da ideia do trabalho, os desdobramentos sociais que ela teve foram bem admiráveis: foram feitas excursões educativas com crianças no rio e o material das PETs gigantes se transformou em mochilas para as crianças de escolas públicas.
Um monte de ratos
Provando o que o artista cita de que a arte não é feita para agradar, a intervenção um tanto quanto asquerosa traz à tona o submundo que fazemos questão de evitar. Um farol de 9 metros de altura no meio do mar de concreto se eleva no vale do Anhangabaú, centro de São Paulo, com 20 mil ratos. Teve gente que até passou mal de olhar aqueles ratos de borracha engraxados, beirando a realidade.
Perdidos no lixo
São Paulo, uma cidade com 11 milhões de habitantes que só recicla 1% do lixo, foi o fato que levou o artista a criar o labirinto de lixo nos principais parques da cidade.
Em Madrid havia sido feito um trabalho parecido, um labirinto com 6.000 garrafas de plástico foi construído para mostrar a quantidade de plático que se consome por dia na cidade. O grupo ativista anônimo luzinterruptus responsável pela obra é muito criativo e ousado ao espalhar a arte clandestina do intervencionismo pelas cidades espanholas. O efeito do led deixou a obra feita de resíduos um tanto quanto charmosa.
Intervenção ambulante e solidária
Thiago Mundano, através do projeto Pimp My Carroça oferece um duplo beneficio ao decorar carroças dos catadores de recicláveis: chamar atenção para o desperdício de materiais recicláveis e para o descaso aos catadores, trabalhadores essenciais na coleta seletiva das cidades.
O projeto independente coleta recursos através de crowfunding e artistas locais voluntários reparam e personalizam as carroças. O trabalho é muito bem embasado e além de ajudar os catadores, deixa a cidade cinza muito mais colorida para os habitantes da cidade e para os turistas.
As edições do Pimp My Carroça acontecem em várias cidades do país e não contam só com um trato nas carroças – os carroceiros recebem exames clínicos, odontológicos, oftalmológicos e tratamento de beleza, enquanto seus companheiros caninos têm direito a veterinários.
Obras derretidas ao redor do mundo
Uma brasileira roubou a cena quando expôs centenas de bonecos de gelo em uma Praça em Birmingham, na Inglaterra. Essa intervenção fez parte do um projeto de ação urbana Monumento Mínimo, da artista Néle Azevedo. Além da Inglaterra, o projeto foi realizado no Brasil e em outros países da Europa e da Ásia.
– São inúmeras esculturas em gelo colocadas a derreter em espaços públicos onde atraem a atenção dos passantes, provocando uma suspensão do seu trajeto cotidiano – diz a artista.
Embora o trabalho fosse bem cabível a uma intervenção abordando mudanças climáticas, o projeto se trata de uma leitura crítica do monumento nas cidades contemporâneas, clamando por mais fluidez e movimento nas obras de arte.