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04.09.2014

As variações do café ao redor do mundo

Foto por freeimages.com
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Para nós, brasileiros acostumados a pingado com pão na chapa, é difícil imaginar o começo do dia sem o tal líquido negro, saboroso e estimulante. E, realmente, é bem difícil começar o dia sem café. Mas pessoas em outros países conseguem. Acredite!

 

Antes de mais nada, quando digo café, é café mesmo, aquele que é colhido, torrado, moído e passado no filtro com água quente. Café expresso também vale. Mas café solúvel não, café solúvel não é café. É o que chamo de café-de-mentira ou café paliativo para prevenir ou combater a abstinência de cafeína. Os apreciadores hão de concordar comigo.

 

Na América do Sul existem muitas variações do consumo e do preparo da bebida. Se você vier do Chile, passando pela Argentina, até o Uruguai percebe que o café vai ficando melhor e mais encorpado conforme for se aproximando do Brasil, famoso mundo afora pelas grandes fazendas de café de outrora.

 

Quando cheguei ao Chile, depois de algumas boas horas de privação de sono e comida, fui direto para uma ruazinha em Santiago e pedi um daqueles combos que vinham com suco de laranja, queijo quente e café. E, para minha surpresa, o copo de café era maior do que o de suco (pensei até que fosse Coca-Cola) e o café era o máximo de diluído possível. Nem parecia café. Esse enquadrava também na categoria de café-de-mentira.

 

Assim que você cruza a fronteira indo pra Argentina o café já fica melhor, em Mendoza eles colocam mais pó de café do que em Santiago e, no Uruguai, já é bem mais concentrado – mesmo a cultura do mate sendo bem forte naquela região.

 

A relação que o gaúcho (assim se chamam as pessoas que moram nos Pampas Argentinos e Uruguaios e na parte do Sul do Brasil) tem com o mate é mais forte do que a nossa com o café. O preparo da bebida já envolve todo um ritual de preparação, legado das culturas indígenas da região. No Uruguai, a cada esquina você encontra máquinas de água quente e pessoas na rua com suas garrafas térmicas debaixo do braço, prontas para sacar a água e preparar o famoso chimarrão.

 

No Peru também é diferente: até o pó de café não é pó. Ele vem mais granulado e para conseguir extrair o café, é necessário fervê-lo na água e somente depois passar no filtro. Não dá pra só passar a água pelo café já no coador, como costume aqui no Brasil, pois fica muito ralo.

 

Já na Índia, do outro lado do planeta, a bebida oficial-matino-social é o chai. Se você for para os lugares menos turísticos de lá e for adepto/viciado em café, você terá problemas. Lá, o que eles chamam de café é o equivalente a caramelo com leite, muito açúcar e essência de café. Café puro? Só se for o de mentira. Minha sorte foi ter levado um quilo de café do Brasil e um coador de pano, porque não existiam nenhum dos dois disponíveis nos “mercados” de lá: nem o café, nem o coador. Os indianos nem sabiam o que era um coador de café, na verdade.

 

Café improvisado passado com água morna que salvou minha vida durante o intercâmbio na Índia
Café improvisado passado com água morna que salvou minha vida durante o intercâmbio na Índia

 

O chai é chá preto com leite e especiarias indianas. O costume de beber chá com leite foi introduzido pelos ingleses durante a colonização, na versão deles o chá é servido com pouco leite e açúcar. Mas os indianos o adaptaram, introduzindo as ervas e exagerando no leite e no açúcar, o que hoje é o massala chai, bebida popular na Índia e no sul da Ásia – como por exemplo na Tailândia, onde eles também consomem o chai. E lá já existem algumas variações modernas como chai gelado, chai com pobá (aquelas bolinhas pretas gelatinosas) e inúmeras outras. Numa feira semanal em Bangkok, tem até um showman do chai. Ele prepara a bebida para os clientes dançando com duas chaleiras na mão. Incrível!

 

“Venha experimentar nosso deliciosíssimo Chai com Pobá. Feito com muito amor e carinho. Compre um e leve 2”: certeza que era isso que estava escrito na placa.
“Venha experimentar nosso deliciosíssimo Chai com Pobá. Feito com muito amor e carinho. Compre um e leve 2”: certeza que era isso que estava escrito na placa.

 

Na Europa o assunto café é sério.Os cafés públicos europeus hoje são atração turística, mas outrora foram o ponto de encontro da classe intelectual durante a chamada Era da Razão, que debatia e difundia novas ideias e pensamentos. As casas de cafés chegaram a ser temidas por ser um local propício ao desenvolvimento de conspirações.

 

Veneza foi o ponto inicial do consumo do café na Europa, no século XVI e sua marcante expansão ocorreu no século seguinte. E mesmo não tendo inventado o processamento da bebida, os italianos aperfeiçoaram tão bem o método que hoje são conhecidos pelo preparo dos melhores cafés do mundo e também pela invenção da famosa cafeteira italiana. São muitas as invenções de tipos de cafés na Itália: capuccino, machiatto, ristretto… mas o mais conhecido e apreciado ao redor do mundo todo é o café expresso, servido do tamanho de um gole e com o poder de te deixar esperto por algumas boas horas.

 

Na França, o café foi introduzido somente em 1646 e teve seu uso banido por muito tempo por autoridades médicas. Os turcos chegaram a enviar à França um embaixador somente para ensinar a realeza a degustar a bebida, e contam as más línguas da época que o Luís XIV se recusou a tomar por receio de falhar durante seus “atos amorosos”. Hoje em dia, a França não tem uma reputação muito boa em relação à qualidade dos cafés servidos. É que lá, depois dos problemas de abastecimento durante as guerras, eles adquiriram o (estranho) hábito de tomar chicorée, uma bebida à base de raízes de chicória, que dizem ter gosto similar ao do café.

 

Em Londres, as casas de café foram consideradas um aspecto central da vida social, comercial e política. O aumento do consumo foi tanto que surgiu a necessidade de buscar novas fontes de produção, e daí em diante houve uma distribuição das variedades de cafés ao redor do mundo. Desde as Américas até o Oriente.

 

Curiosamente é na Indonésia onde se produz o café mais caro e apreciado do mundo. Ele é “tratado” especialmente pelo aparelho digestivo de um animal da região e só depois torrado e vendido para ser moído somente na hora do consumo. O quilo desse café chega a custar mil euros, pois, por políticas do país, o animal não pode ser enjaulado e as fezes com as sementes precisam ser colhidas diretamente da mata, o que dá mais trabalho para encontrá-las.

 

Achado: café brasileiro (Amazon Coffee) em um shopping em Bangkok.
Achado: café brasileiro (Amazon Coffee) em um shopping em Bangkok.

 

Aqui no Brasil, existem algumas pequenas variações quanto à concentração e ao modo de preparo, de acordo com o costume e tradição de cada região. Mas o consumo de modo geral é muito grande, em 2011 bateu recorde, o equivalente a quase 83 litros para cada brasileiro por ano. Se tratando ainda de consumo, o líder mundial é a Holanda com mais de meio litro de café por dia, por habitante. E no fim da lista, os países que menos consomem a bebida são a China e a Nigéria, com menos de 0,002 xícaras por dia por habitante, o que seria como se um nigeriano chegasse à padaria e dissesse: “bom dia, me vê 10 gotas de café, por favor”.

 

Graças à globalização, hoje em dia é possível encontrar cafeterias com cafés de todo tipo em cidades turísticas onde o amor/necessidade de café não é tradição. O legal disso é poder até fazer uma experimentação de cafés ao redor do mundo. Vale à pena usar essa busca pelo café-de-verdade para afinar seu paladar e aumentar os conhecimentos sobre as variações de sabor e preparo da bebida. E não se esqueça de se sentir intelectual toda vez que estiver segurando uma “xicrinha” desse elixir.

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